quinta-feira, 26 de junho de 2014

O Neocolonialismo francês nas Américas do Século XIX
 Muitas revoluções ficam esquecidas na memória por sua efemeridade. Algumas nem estampam livros de história geral por serem infrutíferas em suas ambições. Pouco se discute sobre os reais interesses colonialistas de Napoleão III – o Rei da França – também chamado de Napoleão “o pequeno polegar” por ser de baixa estatura. Porém, esse baixinho invocado tentou durante as décadas de 1860 a 1870 instituir novo regime colonialista nas Américas, e como fruto nos deixou alguns itens numismáticos interessantes – principalmente moedas que pouco ou nada circularam. 



O neocolonialismo francês na América do Sul: o Reino Patagônico de Tounens 
O Reino da Araucânia e Patagônia foi um autoproclamado estado independente fundado por um advogado e aventureiro francês chamado Orelie-Antoine de Tounens na América do Sul, em meados do século XIX, e nunca reconhecido por qualquer outro estado soberano. Nessa época, os indígenas locais (o povo Mapuches) estavam em uma luta desesperada para buscar sua independência. Além disso, viam a hostil aproximação econômica e militar dos governos do Chile e da Argentina, que queriam “legitimar” terras Mapuches a seus territórios, por seu potencial agrícola. 

O reino reclamava as terras da Patagônia e da Araucânia situadas a sul do rio Biobío até a margem norte do rio Reloncaví, de acordo com as fronteiras traçadas pelo Tratado de Killen de 1641 entre a nação Mapuche e a Espanha, abarcando as atuais regiões chilenas de Biobío, Araucânia e Los Lagos. A sua capital seria situada em Perquenco, no Chile. Em 17 de novembro de 1860, os líderes mais destacados da nação Mapuche, que integravam a tribo Lonko Kilapán, representada pelo chefe Gulumapu, e a tribo Kalfacura, representada pelo chefe Puelmapu, juntamente com o cidadão francês Orelie-Antoine de Tounens (naturalizado Mapuche) estabeleceram uma monarquia constitucional e hereditária em Wallmapu. O evento efetuou-se depois de meses de encontros, deliberações e reuniões em todo o território Mapuche. Esse processo de debates foi concluído em um ato solene conhecido como ‘Futha Koyan’ (a grande assembleia), por disposição das autoridades mapuches presentes. Orelie-Antoine foi eleito Rei de Araucânia e Patagônia. A Constituição Mapuche/Francesa contempla a criação de Ministérios, um Conselho do Reino, um Conselho de Estado, um corpo legislativo nomeado por sufrágio universal, uma Suprema Corte de Justiça. O regime político e administrativo estava integrado inteiramente por mapuches: Lonko Kilapán foi nomeado Ministro da Guerra; Lonko Montril, Ministro de Relações Exteriores; Quilahueque, Ministro do Interior; Calfouchan, de Justiça; Marihual, de Agricultura etc. A Constituição estava inspirada na francesa dessa época e considerava, entre outros, como direitos naturais e civis, o respeito às liberdades individuais e a igualdade ante a lei. 

O Reino de Araucânia e Patagônia foi fundado meio século depois da independência de Chile e Argentina frente a Espanha na década de 1810, evento que para os mapuches não significava nada para sua independência e nem alterava a fronteira delineada, séculos anteriores, entre a nação Mapuche e os territórios sob controle da Espanha. De fato, os nascentes estados nacionais (Chile e Argentina) incorporavam inicialmente em suas legislações o Estado de Direito imperante entre Espanha e a nação Mapuche, ambas as repúblicas firmaram unilateralmente novos tratados com o povo Mapuche, reconhecendo explicitamente a soberania da nação Mapuche. É importante destacar que o reconhecimento da independência da nação Mapuche pela Espanha somente foi possível graças à habilidade e audácia do exército Mapuche em defesa da soberania nacional. A Coroa Espanhola viu-se forçada a reconhecer a independência do povo Mapuche e estabelecer a fronteira depois de quase cem anos de infrutífera guerra colonialista, em que sofreu humilhantes derrotas. A linha fronteiriça, desde o rio Biobío ao sul e todo o sul do que hoje é a República Argentina foi sistematicamente ratificada por Espanha mediante a celebração de mais de 30 tratados. Ao longo de séculos de, às vezes turbulentas, relações bilaterais entre ambos os povos, também houve períodos de paz em que floresceu o comércio e outros aspectos da vida social, diplomática e cultural. Isso reflete no nos tratados firmados, o último dos quais se celebrou em Negrete (Argentina) em março de 1803. Com a fundação do Reino de Araucânia e Patagônia, as autoridades mapuches reafirmavam ante o mundo seu direito à autodeterminação e, com esta estratégia, aspiravam o reconhecimento e apoio internacional. Os mapuches deduziam que a organização de um estado moderno ajudaria a despertar o interesse e a confiança dos países europeus sobre sua nação, criando as bases de legitimidade e estabilidade necessária que lhes permitiriam salvaguardar a integridade territorial e independência nacional pela qual haviam lutado por séculos. Em 1862, o Rei Orelie-Antoine foi preso em território Mapuche (perto da fronteira com o Chile) por solados chilenos que haviam cruzado a fronteira fingindo ser comerciantes. 


Depois de um ‘processo judicial’ e encarceramento, foi deportado para a França. Durante o processo contra o Rei Orelie, o estado Chileno não pôde justificar sua interferência nos assuntos internos de Wallmapu nem provar a suposta violação por parte do Rei Orelie de suas leis internas, que o estado chileno visava aplicar em território mapuche. Durante seu exílio na França, o Rei Orelie-Antoine organizou uma ativa campanha publicitária e diplomática, exortando as potências europeias a intervirem para impedir a invasão militar em andamento pelas repúblicas de Chile e Argentina. Apesar dos parcos resultados de seus esforços na Europa, conseguiu organizar três expedições para juntar-se aos patriotas mapuches que resistiam à agressão estrangeira. Entre 1862 e 1865, as repúblicas de Chile e Argentina, violando suas próprias legislações, para além das normas de direito internacional, lançaram uma agressão armada coordenada contra a beligerante nação Mapuche. Dezenas de milhares de mapuches foram massacrados, os toki y lonko, incluindo suas famílias, foram perseguidos e assassinados em ato de guerra não provocado pelos mapuches, nem declarada pelos governos criolos; guerra de agressão conhecida no Chile como “Pacificação da Araucânia” e na Argentina como “Campanhas do Deserto”. Finalizada a guerra, os estados vencedores ocuparam, colonizaram e posteriormente repartiram o Wallmapu e, em 1902, mediante o arbítrio da Coroa Britânica, estabeleceram a fronteira que hoje divide o povo mapuche entre o Chile e a Argentina. O Rei Orelie-Antoine faleceu em Tourtoirac, França, em 17 de setembro de 1878, depois de uma longa enfermidade contraída em consequência do tratamento carcerário no Chile. A história oficial dos estados vencedores da guerra se referia à fundação do Reino de Araucânia e Patagônia como um evento pitoresco, pouco sério e risível. Com efeito, a fim de desacreditar a importância e relevância histórica e jurídica, desprestigiavam com ataques pessoais a quem tomava parte nesse fato histórico, sem precedentes na história de resistência indígena americana. E, na França, a tentativa mal sucedida repercutiu nocivamente sobre o processo neocolonialista europeu, forçando muitas nações a abandonarem objetivos nas Américas e destinarem novos processos colonialistas ao continente africano. 

         Suposto Rei da Araucânia




O neocolonialismo francês na América do Norte: o Reino Mexicano de Maximiliano 
Entre 1862 e 1867, Napoleão III interveio no México, numa guerra que arruinou as finanças francesas. Com o objetivo de garantir o comércio francês na América do Norte, conter a crescente hegemonia dos Estados Unidos e por fim à instabilidade política entre grupos locais, as tropas francesas invadiram e prestaram apoio à oposição ao governo do México, derrubando seu presidente, Benito Juárez. Organizando no México uma nova estrutura política, Napoleão e os monarquistas mexicanos oferecem o trono mexicano ao arquiduque Maximiliano da Áustria. Os problemas financeiros e militares e a instabilidade política na Europa fizeram suas tentativas de estender os interesses coloniais franceses ao México malograrem. Em 1866 Napoleão retirou suas tropas do país americano, deixando o novo regime virtualmente sem proteção. O imperador Maximiliano montou uma resistência, mas foi aprisionado no cerco de Querétaro. Maximiliano acabou sendo fuzilado. 

  Rei Maximiliano do México Francês

Ao estabelecer um império francês no México, Napoleão III imaginou um efeito tipo dominó: depois do México, haveria um modelo a ser seguido por quase todas as ex-colônias tornadas repúblicas nas Américas. Desse modo, seria possível “civilizar e monarquizar” aqueles Estados, conforme a expressão da imperatriz Eugênia, que já via na região “um lugar para instalar tronos para a numerosa nobreza europeia e seu excesso de príncipes”. Mergulhados na Guerra da Secessão, os Estados Unidos estavam debilitados para impor a chamada Doutrina Monroe – que pregava a oposição a intervenções europeias no continente americano. Italianos e ingleses, por sua vez, já haviam deixado o México depois da tomada de Vera Cruz. “Livremo-nos da triste questão mexicana” era uma espécie de bordão dos aliados, que previam problemas com os nativos e com a França. Por desinformação ou paixão pelo próprio projeto, Napoleão III achou por bem propor à Áustria que o arquiduque Maximiliano, irmão do imperador austríaco, fosse levado ao trono no México. O que se seguiu foi a ocupação do México pela França, numa luta que de saída registrou mil baixas no exército invasor. Os franceses descobriram que o México tinha um exército e um povo que, ao contrário da conversa palaciana de Paris, não estava à espera de um salvador nem se levantaria contra um dos seus. Para salvar a honra nacional francesa, porém, era preciso ficar no México e ir até o fim. A chegada de reforços possibilitou o difícil avanço europeu, até a tomada da Cidade do México, em junho de 1863. As lutas políticas locais opunham os conservadores, apoiados pela Igreja e por proprietários de terra, aos ditos “liberais” ou “radicais”, reunidos em torno de um partido anticlerical e favorável ao confisco dos inúmeros bens da Igreja. O último dos presidentes do período foi o radical Benito Juárez, que encontrou o país endividado por obra do antecessor e suspendeu todo e qualquer pagamento para as potências europeias. Não bastasse, subiu o tom do discurso político, com ameaças a estrangeiros. Vítimas do calote de Juárez, França e Inglaterra romperam relações diplomáticas com o México. A Espanha, que tinha grandes interesses financeiros na sua ex-colônia, aliou-se aos dois países contra o presidente radical. Em 9 de janeiro de 1962, as frotas aliadas desembarcaram em Vera Cruz e ocuparam a cidade, sem enfrentar grande resistência. Essa operação recebeu o nome de Expedição do México. Foi nesse período de transe político que viajantes e missionários europeus passaram a acalentar o sonho de um México regenerado pela França. Não por acaso, eles ofereciam essa teoria para os membros do partido conservador, apeados do poder por Juárez, e para os negociantes. Por alguma razão, idêntica tese chegou à então otimista realeza francesa: sabe-se lá como, Paris começou a achar que os mexicanos estavam fartos de sua república e ávidos por uma monarquia à moda europeia. Ao mesmo tempo, um projeto era arquitetado no palácio imperial francês, alimentado também por notícias sobre a existência de generosas minas de prata no noroeste mexicano. O imperador da França, Napoleão III, andava às voltas com uma importante escassez de dinheiro. 


O suposto filão de prata talvez fosse capaz de equilibrar sua base monetária. O monarca, por certo, teve ainda uma visão econômica de mais longo alcance. Dinheiro seria ótimo, mas criar uma zona de influência francesa no centro das Américas poderia ser ainda melhor, garantindo esse mercado para os manufaturados franceses e, do ponto de vista político, a contenção da crescente influência dos Estados Unidos na região. Tais ideias têm a assinatura de outro personagem histórico, o assessor econômico do rei, Michel Chevalier. Para ele, cumpria à França assumir a liderança de um grupo de países latinos – Itália, Espanha e México – para rivalizar economicamente com países de origem anglo-saxônica, como a Inglaterra e os Estados Unidos. É difícil imaginar, hoje, o quanto o México fascinava a Europa em meados do século XIX. Naqueles anos de otimismo e audácia inusitados, os intelectuais já estudavam os maias e os astecas, sua escrita misteriosa e seus monumentos enigmáticos. Assim surgiu no império francês o projeto de criação de uma grande monarquia católica no México, tão poderosa quanto a república protestante dos Estados Unidos. Deixado livre, o projeto virou sonho, e o sonho se perdeu no exagero. Terminou assim – sem dar frutos – o processo de neocolonialismo francês nas Américas. 

Fontes bibliográficas: 
www.steelcrown.org 
www.araucania.org 
www.mapuche-nation.org/english/html/kingdom/index.html 
BRULEY, Yves. Maximiliano do México - Um fantoche francês. Revista História Viva, edição 66
Todas as fotos foram retiradas da internet através de pesquisa do google

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Os carimbos monetários da República Rio-Grandense – teorias sobre suas origens, aplicações, conceitos e utilidades 


foto retirada da internet


A República Rio-Grandense teve como cenário existencial o território da província brasileira de São Pedro do Rio Grande do Sul. Sua importância e duração a coloca como o maior processo independentista do Brasil, comparável em parâmetros somente à Guerra de secessão dos EUA. A guerra revolucionária Farroupilha se iniciou na madrugada do dia 19 para o dia 20 de setembro de 1835 em Porto Alegre. Os combates tomaram várias outras vilas, cidades e arraiais, culminando na declaração de independência realizada em 11 de setembro de 1836, no Acampamento do front de guerra, na localidade de Campo dos Meneses, em Bagé. As raízes do separatismo e autonomia dessa província remontam a questões “geográficas, geopolíticas, psicológicas, sociais, culturais e econômicas” ligadas diretamente à gênese do povo gaúcho e à formação colonial das fronteiras da bacia do Rio da Prata. Podemos fixar a data de início dessa “questão do Prata” em 22 de janeiro de 1680, quando a coroa portuguesa funda a Colônia do Sacramento na margem oriental (leste) do Rio da Prata. A partir desse dia ocorrem vários conflitos armados que atravessam o século XVII, XVIII e vão culminar no dia 27 de agosto de 1828, data da assinatura do Tratado de Montevidéu, tratado no qual o Império Brasileiro e as Províncias Unidas do Rio da Prata – Argentina, reconhecem a criação e autonomia do Uruguai como estado independente.

1º modelo de carimbo revolucionário, foto retirada da internet



Da profusão e divulgação dos ideais franceses de república, adotados no Uruguai, tem-se a gênese da “Libertação do Rio Grande”, iniciada ainda na década de 1820 pelo comandante Alexandre Queirós e Vasconcelos. Podemos também afirmar que a “questão do Prata” só se finda nas décadas de 1870/1880 quando dos tratados de paz do pós-guerra do Paraguai.

foto retirada da internet

Temos bem claros quatro períodos distintos nos dez anos de duração da República Rio-Grandense, e esses períodos servirão de balizamento para as análises que virão a seguir.

1º período (consolidação): 20 de setembro de 1835 a 11 de setembro de 1836. Fase da declaração de guerra, ocorrida após o envio de um novo presidente-interventor para governar a província. Fase da perda da soberania de Porto Alegre da mão dos republicanos para a mão dos imperiais e fase da Guerra do Seival.
2º período (auge e plenitude): 6 de novembro de 1836, assembleia deliberativa na Vila de Piratini eleva a vila ao posto de capital republicana. É eleito presidente Bento Gonçalves, assunção interina do vice-presidente Gomes Jardim e decretação de formação de uma assembleia constituinte para lavrar a constituição. Esse é o período de triunfo da revolução, que atinge vários alvos estratégicos, dentre eles o Porto de Laguna. Porém, essas ações culminam com a perda de importante batalha travada em Laguna em 12 de janeiro de 1840.
3º período (maturidade política e instabilidade interna): 10 de fevereiro de 1840, Bento Gonçalves, em assembleia, renova os ânimos da guerra. Revoluções liberais alastram-se por outras províncias brasileiras, é assinada e reconhecida a constituição republicana, intrigas internas culminam na renúncia de Bento Gonçalves do posto de presidente em 4 de agosto de 1843.
4º período (decadência política): com a renúncia de Bento Gonçalves, seu vice-presidente Gomes Jardim assume novamente o mais alto posto político da república. Porém, Bento renuncia também ao posto de comandante-em-chefe do exército, fazendo florescer entre outros líderes a cobiça pelo poder de comandante supremo. Essa “decadência política” gerou uma “república acéfala” sem um líder maior, o que despertou inclusive cobiça do líder uruguaio Fructuoso de Rivera. Temerário de que a república Rio-Grandense fosse anexada ao Uruguai, o império do Brasil intensifica seus contingentes, nomeia o Barão de Caxias (futuro Duque) como comandante supremo do exército imperial na região. Caxias, astuto político, envolve em articulações Davi Canabarro (o atual comandante-em-chefe republicano) resultando no enfraquecimento moral das tropas e a assinatura do Tratado de Paz de Poncho Verde, datado de 1º de março de 1845 no município de Dom Pedrito.

foto retirada da internet

Do meio circulante e a gênese dos carimbos monetários

O meio circulante da província de São Pedro possuía várias peculiaridades pelo isolamento geográfico. A maior parte das moedas em circulação nos negócios e no comércio era formada por peças egressas de países da América do Sul (Argentina, Uruguai, Bolívia, Peru e até mesmo a Colômbia e o Chile). Essas peças, em sua maioria de prata, foram cunhadas ainda no período de vigência e duração dos vice-reinos espanhóis e ingressaram em São Pedro através de negócios ligados à agropecuária e à sua indústria de couro, carne e derivados. A moeda brasileira circulava também na província, vinda em sua maioria do comércio feito através do “tropeirismo” existente no interior de São Paulo (que à essa época englobava também a futura província do Paraná). Outra fonte de entrada de peças eram os portos de Rio Grande e de Porto Alegre, onde atracavam navios vindos principalmente do Rio de Janeiro e da Bahia. As peças brasileiras ingressadas na província eram em sua maioria formadas pelo cobre, vindo “a miúdo” para abastecer o florescente comércio da província. Em 6 de outubro de 1835, na corte regencial do Rio de Janeiro, foi aprovada a lei de número 54, que ditava a criação de carimbos gerais de 10, 20 e 40 Réis a serem aplicados no cobre nacional. Essa lei foi regulada pelo decreto de 4 de novembro de 1835. O objetivo de tal lei e de tais carimbos era reduzir o valor das peças de cobre de cunho comum em 50% e em 25% nas de cunho provincial, visando assim sanear o meio circulante, diminuir as pressões inflacionárias, combater a moeda falsa/desvirtuada e capitalizar a regência com a emissão de cédulas de “troco do cobre”. Essa operação “nacional” foi encerrada em virtude da lei de número 109, de 11 de outubro de 1837. Na análise jurídica que fizemos da aplicação dessa lei, vemos que a promulgação da lei 54 se dá 17 dias após a deflagração da guerra revolucionária na província de São Pedro, estando assim a lei impedida de ser posta em prática nessa província. O decreto de 4 de novembro de 1835 se dá 46 dias após o 20 de novembro, então já não incide mais sobre o Rio-Grande. Se levarmos em conta que a lei 54 veio a ser aplicada em contextos nacionais tardiamente, sendo necessário o saneamento do cobre a partir da renúncia de Dom Pedro I em 1831, vemos que o Rio Grande ao não obedecer tal lei em 1835 acaba por gerar um grande problema para a sanidade fiscal e monetária do seu novo regime republicano, pois por uma maneira ou outra haveria ingresso e egresso do meio circulante republicano para as outras províncias brasileiras e vice-versa. A criação potencial dos carimbos republicanos se dá, em primeira necessidade, a partir de mecanismos que busquem anular ou frear a entrada e saída de meio circulante na república sem a intervenção de impostos fiscais, formando assim “mesmo que carimbada” uma moeda rio-grandense distinta do meio circulante brasileiro, podendo ser adotado inclusive um câmbio fixo ou móvel de uma moeda em paridade com a outra. Essa reflexão que fazemos é fruto da notícia publicada no jornal “O Povo” – órgão oficial da República, de número 61, datado de 24 de abril de 1839, pelo qual se “compara o câmbio da moeda do Brasil e do Rio Grande, mostrando que esta estaria mais equilibrada aquela data”. Também no jornal, na sua edição de número 14, datada de 17 de outubro de 1838, vemos que um ofício republicano cria o cargo de coletor de impostos, sendo esses impostos arrecadados a partir de tal data em “espécie”, ou seja, como ainda não existia uma moeda rio-grandense cunhada, adotava-se a arrecadação tributária através da aceitação de meio circulante, seja ele brasileiro ou de outros países. Também seguindo essa mesma linha de raciocínio fiscal, vemos a publicação de 20 de outubro de 1838 pela qual se revogam isenções fiscais e de impostos sobre mercadoria provinda de Corrientes (província não alinhada com as Províncias Unidas do Rio da Prata) e do Uruguai (ali chamada de mercadorias orientais). Nesse mesmo jornal, vemos que a 31 de outubro de 1838, na edição 18, há a publicação de normativas visando sanear o meio circulante republicano – havendo a partir dali o reconhecimento, pesagem e identificação de moedas de cobre, a expedição de vales e bônus resgatáveis para a troca do cobre com validade para todas as transações do comércio. Nessa mesma edição de 31 de outubro, há um artigo que fala sobre o ingresso de moeda imperial vinda do Brasil, como sendo uma “tentativa do império de desestabilizar economicamente o movimento republicano através de maciça entrada de moeda ruim no meio circulante da província”. Ainda em 1835 cria-se o imposto de 400 Réis sobre a arroba de charque para exportação, industrializada por saladeiros da república. Foram implantadas, a partir de 1836, 23 coletorias de impostos, espalhadas por cidades, vilas e estradas, visando fortalecer financeiramente a revolução. Ou seja, o carimbo vem para “individualizar” o que é moeda republicana e o que é moeda imperial, também servindo para a identificação das peças que foram recolhidas no troco do cobre de 31 de outubro de 1838. Sua aplicação na arrecadação fiscal de impostos e no comércio entre o país Rio Grande do Sul e o país Brasil pode ser outro viés do surgimento de tais carimbos. Partindo dessas evidências levantadas sobre a existência de um câmbio entre a moeda do Brasil e a moeda da república e também pela existência da cobrança e arrecadação tributária de impostos e pela vigência e adoção de uma “troca dos cobres” aos moldes da lei 54 de 1835, vemos que há uma necessidade real da identificação do meio circulante republicano, diferenciando assim este do meio circulante brasileiro, e isso se daria pela adoção de um carimbo.

foto retirada da internet


Do 1º modelo de carimbo (o carimbo restritivo)
Estudos realizados por numismatas ainda no século XIX dão a entender que o primeiro carimbo adotado no meio circulante rio-grandense é o carimbo anepígrafo, pequeno, com campo oval de 13,1mm, no qual se observa uma espada curva, empunhando um barrete frígio com 57 raios. A espada é de guarda simples com cabo de pomo redondo. Esses mesmos estudos apontam o carimbo como originário de prateiros uruguaios. Essa teoria é bastante válida se levarmos em conta alguns critérios:
A – O processo revolucionário levantado no Rio Grande em 1835 e culminado com a declaração de independência em 1836 criou a demanda pela contramarcação de moedas do meio circulante.
B – O desenho do carimbo mostra nitidamente a iconografia de uma busca pela liberdade formada pela interpretação do barrete frígio raiado (símbolo desta liberdade republicana francesa) através do uso da espada (símbolo icônico da guerra). A espada está sendo empunhada por duas mãos entrelaçadas, símbolo de origem romana de união do povo em prol de um só ideal (neste caso a revolução republicana).
C – A identidade do barrete frígio pode ser constatada como símbolo regional de liberdade adotada na bacia do Prata através da visão da heráldica adotada pelas Províncias Unidas do Rio da Prata (barrete suspenso por mãos entrelaçadas), barrete suspenso atrás de um leão zangado (adotado pelo governo independente do Paraguai), sol raiado (da mesma temática de raios dos carimbos rio-grandenses) adotado como símbolo pátrio do Uruguai. Também na mesma década é adotada tal simbologia do barrete em moedas e iconografia do Peru, Bolívia, Colômbia e México (todas ex-possessões hispânicas).
D – Necessidades fiscais dão fruto à criação de carimbos restritivos à circulação em outras províncias brasileiras, a saber: Ceará, em 1834, Maranhão, em 1834, Icó (Ceará e Piauí), em 1832, Grão-Pará, em 1835.

Cédula bônus de troca dos Cobres na República do Rio Grande do Sul, foto retirada da internet


Moeda Francesa que pode ter inspirado os artistas a criarem os modelos de carimbos Rio Grandenses, já que as ideias francesas estão presentes em toda a ação Republicana Farroupilha, foto retirada da internet

Visão dos gaúchos da época, foto retirada da internet



Heráldica argentina bem similar as ideias presentes nos carimbos revolucionários 


Do 2º modelo de carimbo (o carimbo revolucionário) 
Carimbo oval, de fundo liso com uma espada reta de fio duplo portando em sua ponta um barrete frígio empunhado por duas mãos entrelaçadas, a espada é de guarda forte e quadrada (estilo cavalaria) e possui cabo em pomo redondo, o barrete é raiado e ao seu lado há a legenda 20 Setembre e logo abaixo a data 1835 ladeada por duas rosetas de cinco pontos. Curiosamente esse carimbo é visto mais em moedas de prata (nacionais e estrangeiras) e é raro de aparecer no cobre, ou seja, sua função era de contramarcar as peças que estavam em circulação dentro da província para dar a essas status de meio circulante oficial da nova república. Este segundo modelo de carimbo pode ter sido empregado para dar “personalidade”, contramarcando o meio circulante e nutrindo a nova república de moeda própria. O ensaio (debujo) deste carimbo possivelmente é de origem francesa, pois “setembro” está escrito em francês. Com a introdução da data 1835 ladeada por pontos, vemos uma iniciação do “culto” à data pátria de fundação da revolução, em que originou a nova república, e a partir de eventos realizados entre 1836 e 1840, tem-se a consolidação de símbolos pátrios para o novo país Rio Grande do Sul, que são eles: a nova bandeira, o novo selo, o novo brasão de armas, o novo hino nacional, o lenço pátrio, o broche pátrio.

Alguns carimbos em peças da coleção Museu Histórico Nacional

foto retirada da internet


Do 3º modelo de carimbo (o carimbo propagandista) 
O plano de contingência adotado pelo Império do Brasil para manter em guerra a província do Rio Grande e tentar dar revés à proclamação republicana partia de um único princípio: manter a posse e ocupação dos dois únicos portos existentes na província, Rio Grande e Porto Alegre. Esse plano partia do pressuposto de que uma república sem portos não possuía livre comércio com outros povos e países, gerando assim ausência de soberania. Também gerava grandes prejuízos financeiros, já que essa ação limitava o comércio da indústria republicana que passou a ser realizado unicamente por terra. Outra importância estratégica dos portos era o abastecimento de tropas regulares, que poderia ser feito ininterruptamente e até quando se desejasse, pois os imperiais poderiam fazer o transporte dessas tropas e de seus suprimentos através da convocação de exércitos em outras províncias, inflando assim suas tropas ao patamar de 22 mil homens. Esse plano de manter os portos sob seu poder acabou gerando também dois “Rios-Grandes” distintos, um sob regime intervencionista do exército imperial e outro sob regime da república revolucionária. Entre esses dois “Rios-Grandes” haveria de existir comércio e esse comércio necessitava também de moeda e é aí que nossa análise nos leva ao exercício da utilidade de um ‘carimbo propagandista’. Ele serviria para entrar nas cidades de posse dos imperiais e difundir os ideais e a existência da república. Isso pode ser balizado, por exemplo, pela edição do jornal “O povo” datada de 23 de março de 1839. Nessa publicação, por decreto, informa-se a adoção de uma taxa de 160 réis sobre a arroba de erva-mate industrializada quando de sua exportação ao exterior (tratando-se de exterior inclusive a cidade de Porto Alegre). Isso também pode ser visto em outra matéria da mesma publicação que trata “do início do comércio do território da república com a cidade de Porto Alegre”. Um terceiro elemento que serve para balizar nossa teoria são os passaportes expedidos para cidadãos republicanos em viagem a Porto Alegre. Um modelo desse passaporte original foi recentemente apresentado por museu do Rio Grande do Sul, nas comemorações do 20 de setembro de 2013. A República Rio-Grandense mantinha inclusive um adido infiltrado em Porto Alegre: Francisco Fresco era incumbido de promover liquidações de contas, informar do sorteio dos conhecimentos de troca de cobre que seriam liquidados em determinado período, transacionar e queimar tais conhecimentos resgatados.

O Rio Grande em 1836, após o 1º ano de guerra os revolucionários já haviam tomado grande parte do território, porém como os realistas mantiveram cidades e áreas portuárias no litoral, criou-se dois Rio Grandes do Sul, um Republicano e outro Imperialista e isso acabou gerando necessidades de câmbio comercial entre esses dois territórios.


A questão dos portos é chave fundamental para entender a expansão da Revolução Farroupilha que, após perder Porto Alegre e nunca conseguir tomar posse de Rio Grande e de São José do Norte (na ligação da lagoa dos Patos com o Oceano), acaba por ‘invadir’ novamente o Brasil, ocupando militarmente a província de Santa Catarina, visando o uso do Porto de Laguna. Uma alternativa desde o início dos conflitos em 1835 e até 1844 foi o uso dos portos de Montevidéu e Maldonado em território uruguaio. Por ali promovia-se exportação e importação, sendo que o grosso do armamento farrapo ingressa por Montevidéu entre 1836 e 1840. Com as mudanças internas do Uruguai e o fortalecimento unitário do Brasil, que inclusive usa como estratégia de guerra pressionar o Uruguai para que deixe de dar suporte à República Rio-Grandense, o processo revolucionário se vê sem portos, o que acaba por minar o movimento, gerando distúrbios internos. Em anexo desenhamos um mapa para mostrar essa realidade de dois Rios-Grandes (o republicano e o imperial). À essa época a província era dividida em quatro grandes zonas: as Missões, as Serras, o Litoral e a Campanha. Sua formação possuía 14 municípios em 1835: Porto Alegre, Triunfo, Santo Antônio, Rio Grande, São José do Norte, Pelotas, Jaguarão, Piratini, Caçapava, Cachoeira, Rio Pardo, Alegrete, São Borja e Cruz Alta. O censo de 1834 apontou o número de aproximadamente 160 mil habitantes no Rio Grande. Esse 3º modelo de carimbo possuía os seguintes detalhes: oval, com 15mm em média de altura, no centro um barrete frígio (símbolo da liberdade adotado pela revolução francesa), irradiado (aos moldes do sol argentino e uruguaio), três raios mais grossos saem de dentro do barrete em formato de triângulos oblongos, distintos dos outros raios que são em número de 27 raios. Esses três raios mais grossos formam uma cruz central; abaixo do campo do barrete, temos a legenda em letras de forma PIRATINI, ladeadas por dois florões de cinco pontos (florões de pétalas), acima do dístico e entre dois pontos temos a data 1835. Piratini é originária de uma “vacaria espanhola” do século XVII. Teve seu início de colonização portuguesa no ano de 1789 com a chegada de 48 casais de imigrantes açorianos (portugueses da ilha de Açores). Dessa data até 1812 a vila recebeu mais imigrantes vindos de Guimarães (Portugal) que trabalhavam com moinhos de trigo, beneficiando farinha para exportar a outras províncias do Brasil. Também se tornou importante beneficiadora de couros e artigos de couro. Em 15 de dezembro de 1830, por decreto imperial de Dom Pedro I, Piratini é elevada a categoria de vila, sendo seu território delimitado pelos distritos de Canguçu e Bagé, e se estendendo de norte a sul até o Rio Piraí. Em 1836 nela se instala a capital da nova República Rio-Grandense. Nessa cidade a capital permaneceu até 1839, quando foi transferida ao acampamento militar de Caçapava (localizada a oeste de Piratini).

Brasão de armas republicano datado de 1839, vê-se no Brasão os símbolos adotados nos carimbos, foto retirada da internet

A capital da nova república foi finalmente transferida para Alegrete no ano de 1842 e lá permaneceu até 1845, quando foram assinados tratados de armistício. Na cidade de Alegrete ratifica-se a constituição da república no ano de 1843 e adota-se símbolos pátrios tais como: a bandeira verde, amarela e vermelha, o brasão de armas do 20 de setembro e o selo nacional. Esses elementos são tidos como pré-requisitos para a existência de uma república à luz do reconhecimento internacional. Nesse período, a Argentina e o Uruguai já tratavam o reconhecimento da República Rio Grandense. É estranho que o 4º elemento de soberania (a moeda) não tenha sido apresentada pela constituição. Porém, devem ter sido solicitados estudos de desenho técnico e ensaio (debujo) aos principais fornecedores de numerário amoedado para a região – a Inglaterra e a França. Nessa região do Prata circulavam lobistas e emissários de firmas inglesas e francesas, que procuravam firmar contratos de fornecimento para cunhagem de moedas e também de toda sorte de produtos industrializados, pois esses dois países já criavam a essa época impérios colonizadores em vários continentes e estavam iniciando sua primeira revolução industrial.

Ensaio numismático Museu do Gaúcho de Montevidéu Uruguai, foto da peça do museu


A escolha de Piratini como primeira capital republicana possuía inúmeras qualidades: a cidade já se encontrava estruturada, possuía prédios bem construídos que poderiam abrigar a máquina pública da nova república, possuía acesso fácil à cidade de Pelotas e ao Forte de Rio Grande (um dos principais redutos imperialistas) e era próxima da fronteira com o Uruguai, possibilitando entrada e saída de material para abastecer a guerra.

O Rio Grande do Sul em 1844, já nos tempos finais da revolução em mapa Norte-Americano, foto retirada da internet


Referências bibliográficas
• Constituição da República Rio-Grandense, ratificada em 8 de fevereiro de 1843 em Alegrete Capital Republicana (documento original). Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.
• DREYS, Nicolau. Notícia Descritiva da Província do Rio Grande de São Pedro do Sul, 1839.
• Homens Ilustres do Rio Grande do Sul. Ed. Selbach, Porto Alegre, 1917.
• KIELING, Camila Garcia. Entre a lança e a prensa: conhecimento e realidade no discurso do jornal O Povo. Porto Alegre, 2010.
• Jornais O Mensageiro / O Americano / Estrella do Sul. Ed. O Globo, 1930. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.
• PICCOLO, Helga. A paz dos caramurus. Caderno de História, nº 14.
• SPALDING, Walter. Construtores do Rio Grande. Ed. Sulina, Porto Alegre, 1969 .

Faca criada para abastecer o mercado do Rio Grande na década de 1840 com adorno, barrete Frigio, símbolo revolucionário, foto retirada da internet através do google

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Brasil imperialista – a elevação da colônia do Brasil ao status de Reino Unido e suas consequências políticas, numismáticas e históricas.

Brasil imperialista – a elevação da colônia do Brasil ao status de Reino Unido e suas consequências políticas, numismáticas e históricas. 

foto retirada da internet


O Brasil, oficialmente chamada de Terra de Vera Cruz, descoberta em 22 de abril de 1500 e tomada como posse portuguesa em cerimonia realizada em Porto Seguro em 26 de abril deste mesmo ano, só começa a adotar traços colonizadores com a chegada das pessoas que aqui viriam a colonizar, isso se dá com a implantação da 1ª capitania – a de São João, doada por carta régia a Fernando de Noronha no dia 16 de fevereiro de 1504. Em 1548 o rei Dom João III resolve criar o Governo Geral do Brasil, empossando em 07 de julho de 1549 o fidalgo Tomé de Souza como o primeiro governante em Salvador, a 1ª capital oficializada. Durante a União-Ibérica, o rei Felipe III institui um cargo acima do governador geral, e cria o posto de vice-rei do Brasil, sendo o 1º destes – Jorge de Mascarenhas, o marquês de Montalvão, empossado em 26 de maio de 1640. Aos poucos o território que viria a ser o Brasil que hoje conhecemos vai sendo explorado, ocupado e nutrido de pessoas, que vão aportuguesando as posses coloniais, essa evolução “caminha” engessada pelo regime colonialista que delimita grandes cerceios as atividades comerciais da colônia e coloca todo mundo que vive por aqui em intensa vigilância e supervisão. São no total - 315 anos - de duração do regime colonial, até o dia 16 de dezembro de 1815, ano em que o príncipe regente, Dom João Maria de Bragança (futuro João VI) assina o ato de elevação do status do Estado Colonial do Brasil a Reino Unido do Brasil, Portugal e Algarve, e é essa a história revista nesse texto. 

foto retirada da internet

Análise Histórica: 
Em 22 de janeiro de 1808, aportava em Salvador, o navio que trazia a família real portuguesa, refugiada ao Brasil, por ocasião da invasão do exército francês ao território de Portugal. Nesse mesmo dia, Marcos de Noronha e Brito – o conde dos Arcos, o último vice-rei do Estado do Brasil entrega o cargo ao príncipe regente, pois há a transferência da sede da monarquia portuguesa para a colônia. Então de 1808 a 1815 o Brasil passa por um período muito curioso, continua (ao menos no papel) como uma colônia, porém governada por um príncipe regente, possui a sede da monarquia, que é a cidade do Rio de Janeiro, também chamada de corte. São 07 anos nesse estado de “potência imperialista”, porém com status de colônia. Durante essa época são tomadas algumas atitudes beligerantes por parte do governo joanino, dentre elas a declaração de guerra total ao estado francês e suas colônias, datada de 1º de maio de 1808. Essa guerra implementada a partir do Brasil se cumpre com a invasão da Guiana Francesa ocorrida em 12 de janeiro de 1809. Sob ordens de ocupação de Caiena, partem de Belém do Pará, 500 soldados, comandados pelo general José Narciso de Magalhães, essas tropas desembarcam na colônia francesa e enfrentam um efetivo de 1291 soldados, porém os brasileiros estavam escoltados pela armada naval luso-inglesa, comandada pelo experiente navegados James Lucas. Vendo-se inteiramente cercado por navios de guerra, o governador da Guiana, Victor Hugues assina o tratado de rendição incondicional, sendo assim anexada ao território brasileiro essa possessão francesa. 

foto retirada da internet

Sabemos também que o exército napoleônico invade a Espanha, no mesmo ano de 1808, e acaba por aprisionar toda a família real espanhola, sendo assim todas as colônias espanholas das Américas passam a ser administradas pelo governo francês e por cortes designadas por este governo. Isso desagrada muito os colonos espanhóis da América do Sul e estimula levantes pela independência destas contra os franceses. Há inclusive o envio de emissários diplomáticos portando despachos de Napoleão Bonaparte, informando da renúncia e abdicação do rei Carlos IV da Espanha em favor de José Bonaparte e exigindo a aclamação deste rei como soberano das posses espanholas nas Américas. Porém juridicamente as cortes sul-americanas optaram por jurar a aclamação ao novo rei espanhol - Fernando VII - , filho e herdeiro de Carlos IV, também mantido em prisão. A única representante da casa real espanhola em liberdade era Carlota Joaquina, a rainha de Portugal, esposa do príncipe João e irmã de Fernando VII, isso estimulou planos da tomada de posse definitiva da Banda Oriental (Uruguai) por parte do governo joanino. Essa região ao lado leste do rio da prata esteve em litígio permanente entre Espanha e Portugal durante toda a era colonial, e após a liquidação do Vice-reino do Rio da Prata foi invadida por exércitos portugueses em 1811, seguiu-se uma intensa guerra de guerrilha, pois os caudilhos uruguaios desejavam se tornar independentes tanto de Portugal como da Espanha. Em 20 de janeiro de 1817 comandados pelo General Lecor as tropas luso-brasileiras conseguiram se fixar nas principais cidades (Maldonado e montevidéu) e de fato governar essa região, que foi rebatizada como província Cisplatina, no dia 31 de julho de 1821 com as coisas mais serenadas dentro desse território, em assembleia o congresso assina a anexação definitiva ao Reino Unido do Brasil. 



Análise Política: 
A política imperialista empregada com arrojo pelo príncipe regente Dom João não se resume só a isso. A declaração de guerra à França, a tomada da Guiana, a tomada da Cisplatina - foram ações bastante efetivas, porém, a verdadeira guerra era travada na política internacional e na gestão da crise implantada pelo levante das ex-colônias espanholas da América do Sul, pois os novos países formados por essas colônias, litigiava fronteiras, e se tornava ameaça ao Brasil. No dia 25 de maio de 1810, em Buenos Aires iniciou-se o levante dentro do Vice-Reino do Rio da Prata, os ricos e poderosos desta cidade, discutiram que haviam jurado lealdade ao rei Fernando VII, e com a sua ausência não havia rei, então poderiam se autodeterminar como povos independentes. Esse pensamento foi se expandindo para outras províncias dentro do vice-reino e tomando a cada dia mais e mais adeptos o que culminou com a declaração da independência das Províncias Unidas do Rio da Prata, fato não aceito por uma das províncias, o Paraguai, que buscou auxílio com o Brasil e com Dom João para combater o assédio do exército argentino - liderado pelo general Manuel Belgrano. Isso culminou com a declaração da independência do Paraguai, datada de 14 de maio de 1811, nascia assim o primeiro vizinho do Brasil – o Paraguai, com apoio da política externa de Dom João. O levante dentro do que viria a ser a Argentina continua e culmina com a declaração de independência daquela região datada de 09 de julho de 1816, a política externa do Brasil para com essa nova potência regional recém-nascida (a Argentina), era de intimidação através de concentração de exércitos no Rio Grande do Sul e na Cisplatina. 

foto retirada da internet


 A fronteira norte do Brasil também precisou ser guarnecida devido aos levantes liderados por Simon Bolívar e Francisco Santander no Vice-Reino de Nova Granada. As lutas por lá se iniciam no ano de 1810 e culminas com a independência em 1819 e formação de uma república – a Grã-Colômbia (território formado por Colômbia, Equador, Venezuela e Panamá, além de Trinidad e Tobago), neste processo o governo joanino do Brasil defende a demarcação de rios como sendo as fronteiras norte, principalmente com Venezuela e Colômbia, conquistando através de diplomacia grandes territórios (agora legítimos) anexados em definitivo ao Brasil. A fronteira oeste é a que se define por último já que o grande número de realistas espanhóis presentes no Vice-Reino do Peru, impediu que grandes levantes fossem realizados por lá na década de 1810. Porém a partir de 28 de julho de 1821, com o desembarque em território peruano, do general San Martin inicia-se o processo de libertação daquele território, que culmina em 09 de dezembro de 1824 – a fatídica batalha de Ayacucho, batalha que selou o fim da posse espanhola na América do Sul. (O ano 1824 já está fora do nosso período de análise, tenhamos como base então somente o 1821), que é o início da guerra de independência do Peru, que veio a libertar e criar também a Bolívia - estado fronteiriço ao Brasil.

foto retirada da internet


Análise econômica:
A chegada da família real portuguesa ao Brasil no ano de 1808 foi revolucionária do ponto de vista dos negócios e do progresso econômico. O sentimento da população de receber e abrigar um rei gerou comoção nacional e em até em pequenas vilas do interior foram feitos embelezamentos e melhorias para que a vila tivesse ares melhores e mais bonitos. O sentimento era de “vai que o rei deseja nos visitar – vamos pintar nossa casa, arrumar a cerca, embelezar a fazenda”. Esse sentimento por si só já gerou pujança econômica, porém foi uma assinatura de Dom João que entrou para a história como a maior ação benéfica ao Brasil – a abertura dos portos as nações amigas – datado de 28 de janeiro de 1808. O decreto marcou o fim do Pacto Colonial, o qual na prática obrigava a que todos os produtos das colônias passassem antes pelas alfândegas em Portugal, ou seja, os demais países não podiam vender produtos diretamente ao Brasil, nem importar matérias-primas diretamente da colônia. Essa foi a primeira ação liberal do mundo moderno. Na prática todo barco de nação amiga de Portugal, poderia aportar no Brasil e desembarcar ou embarcar mercadoria, fazendo girar as engrenagens da compra\venda e impulsionando o comércio, a indústria e o agronegócio. Sabemos que o maior beneficiado dessa política foi o império britânico, que pode dar vazão ao 1º passo da revolução industrial através da abertura do 1º mercado consumidor – o Brasil. Nesse mesmo interim foi oficialmente revogadas as barreiras impostas a manufatura brasileira, gerando assim o embrião da indústria nacional de aciaria (aço e ferros), de roupas e tecidos, de pólvora, de beneficiamento de couro e charque, etc. Outra ação importante foi o início das operações do primeiro Banco do Brasil em 1809, que pode ser considerado um marco fundamental na história monetária do Brasil e de Portugal, tanto por ter sido a primeira instituição bancária portuguesa quanto pelo fato de representar uma significativa mudança no meio circulante do Brasil através da emissão de notas bancárias (cédulas ao portador). Até então, as funções de meio de troca e de pagamentos haviam sido cumpridas exclusivamente por moedas mercadorias - a exemplo do açúcar e do algodão - e por moedas metálicas originárias de Portugal e de outras partes do mundo, ou cunhadas na Colônia do Brasil. O interesse do governo Português em criar o Banco do Brasil deveu-se a impossibilidade de financiar os gastos públicos - elevados quando da transferência da Corte para o Rio de Janeiro em janeiro de 1808 - através apenas da cobrança de tributos, havia uma intensa e ardente demanda por moeda a qual era incapaz de ser suprida a partir do estoque preexistente, já que a sua oferta era sabidamente muito pouco elástica. Restavam ao governo português duas alternativas para aumentar a liquidez do sistema e financiar os gastos. Uma seria promover um "levantamento" do valor de face da moeda (carimbar com valor maior) - tal artifício frequentemente utilizado nos séculos XVI e XVII possibilitaria um aumento nominal do estoque de moeda, mas seu custo político era elevado já que, na prática, esta medida depreciava o poder de compra da moeda já existente. Quando do início da operação do banco foi realizado uma “tomada quantitativa” do meio circulante nacional – cobre, prata e ouro, e chegou-se a soma estimada de 10 mil contos de Réis, sendo 2\3 destes em ouro. Esse número nos revela que os cerca de 200 mil contos de Réis cunhados na casa da moeda do Rio de Janeiro de 1703 a 1809, os cerca de 300 mil contos de Réis cunhados na casa da moeda da Bahia de 1695 a 1809 (e em Pernambuco na estada dessa casa por lá), os 180 mil contos de Réis cunhados em Minas Gerais no século XVIII, perfazendo 780 mil contos, além dos cerca de 100 mil contos de Réis cunhados em Lisboa e ingressados no meio circulante nacional, haviam sido carreados para o exterior ou estavam entesourados com particulares. Há estimativas que 8\10 do ouro amoedado no Brasil tenha sido carreada através de comércio, a Inglaterra e que 1\10 tenha sido carreado a colônias portuguesas na África, devido ao tráfico negreiro. Porém a ação joanina de criar o Banco do Brasil permitiu a seu governo emitir ações\títulos e cédulas, que fomentaram seu governo de capital e fizeram aumentar gradativamente a arrecadação de impostos, isso trouxe prosperidade para seu governo. 

foto retirada da internet


Análise numismática: 
Quando da vinda da família real ao Brasil, a rainha de Portugal e de todas as suas colônias era dona Maria I, Dom João era o príncipe herdeiro, e foi elevado a regente, quando a sanidade mental da rainha foi colocada em dúvida em 10 de fevereiro de 1792. Então na elevação do Brasil de colônia a Reino Unido em 1815, a primeira monarca foi dona Maria I, que veio a falecer no Rio de Janeiro no ano de 1816. Em 20 de março de 1816 Dom João assume o título de João VI, porém só seria coroado em cerimônia realizada no dia 06 de fevereiro de 1818. Durante o período de 1816 a 1818 Dom João usa o título de Príncipe Imperial, tal como Napoleão, e estabeleceu um regime jurídico no Brasil similar ao do Reino Unido (Inglaterra) de do Império Austríaco (Austro-húngaro). Então de 1815 a 1818 temos um “vazio icônico” na numismática brasileira, uma vez que a grafia das peças não acompanhou as mudanças políticas ocorridas no país. O meio circulante-oficial em metal era formado em 1815 por peças de cobre, prata e ouro. Foram cunhadas as denominações: X, XX, XL, LXXX, 37 e 1\2 e 75 Réis, 80, 160, 320, 640 e 960 Réis e 4000 e 6400 Réis. Havia em funcionamento 03 casas de moeda, uma localizada no Rio de Janeiro (corte imperial) que despachava peças para o sul, centro-oeste e norte do país, outra localizada em Salvador (capitania da Bahia) que nutria todo o nordeste canavieiro e outra localizada em Vila Rica (capitania de Minas Gerais) que nutria o setor minerador. Vale destacar que a população do Brasil era bastante diminuta e a demanda por numerário só foi se intensificando aos poucos, estima-se que em 1808 no desembarque da família real viviam por aqui 3.990.000 habitantes e destes apenas 1.197.000 eram brancos, sendo a principal moeda – a mercadoria – as pessoas compravam a juros ou a prazo e quitavam dívidas na safra ou na colheita.

foto retirada da internet


Evolução das legendas das peças em ouro nas casas da moeda do Rio de Janeiro e da Bahia: 

De 1815 a 1817: Joannes Dei Gratia Portugaliae et Algarbiorum Regens – et Brasiliae Dominus Dom João, por graça de Deus, príncipe regente de Portugal e do Algarves – E senhor do Brasil 

Série especial de 1816: Joannes Dei Gratia Portugaliae, Brasiliae et Algarbiorum – Princeps Regens Dom João por graça de Deus, príncipe regente de Portugal, Brasil e Algarves 

De 1818 a 1822: Joannes VI Dei Gratia Portugaliae, Brasiliae et Algarbiorum Rex Dom João VI por graçade Deus, rei de Portugal, Brasil e Algarves. 

foto retirada da internet


Evolução das legendas das peças em prata nas casas da moeda do Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais: 

De 1815 a 1818: (Joannes Dei Gratia Portugaliae Princeps Regens et Brasiliae Dominus) e também (Joannes Dei Gratia Portugaliae et Algarbiorum Princeps Regens) Dom João, por graça de Deus príncipe regente de Portugal e senhor do Brasil. Dom João, por graça de Deus, príncipe regente de Portugal e Algarves. 

Serie especial 1816; Joannes Dei Gratia Portugaliae Brasiliae et Algarbiorum Princeps Regens Dom João, por graça de Deus, príncipe regente de Portugal, Brasil e Algarves 

De 1818 a 1822: Joannes VI Dei Gratia Portugaliae Brasiliae et Algarbiorum Rex Dom João VI, por graça de Deus, Rei de Portugal, Brasil e Algarves 

foto retirada da internet



Evolução das legendas das peças em cobre nas casas da moeda do Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais: 

De 1815 a 1818: Joannes Dei Gratia Portugaliae et Brasiliae Princeps Regens Dom João, por graça de Deus, príncipe regente de Portugal e do Brasil 

Serie especial 1816: Joannes Dei Gratia Portugaliae Brasiliae et Algarbiourum Princeps Regens Dom João, por graça de Deus, príncipe regente de Portugal, Brasil e Algarves

De 1818 a 1823: Joannes VI Dei Gratia Portugaliae Brasiliae et Algarbiorum Rex Dom João VI, por graça de Deus, Rei de Portugal, Brasil e Algarves 

foto retirada da internet


Em 30 de janeiro de 1821 as Cortes se reuniram em Lisboa e decretaram a formação de um Conselho de Regência para exercer o poder em nome de Dom João VI, libertaram muitos presos políticos e exigiram o regresso imediato do rei. Em 20 de abril Dom João convocou no Rio de Janeiro uma reunião para escolher deputados à Constituinte, mas no dia seguinte houve protestos em praça pública que acabaram reprimidos com violência. No Brasil a opinião geral era de que a volta do rei a Portugal, poderia significar a retirada do país da autonomia conquistada, voltando a ser uma colônia. Pressionado, Dom João enviou a Lisboa seu filho, o príncipe herdeiro Dom Pedro, para outorgar uma constituição e estabelecer as bases de um novo governo. O príncipe, contudo, já envolvido com ideias libertadoras e liberais, recusou-se. A crise havia ido longe demais e não havia como voltar atrás. Só restou ao rei nomear Dom Pedro regente em seu nome aqui no Brasil e partir para Lisboa com toda a sua corte, em 25 de abril de 1821, após uma permanência de treze anos no Brasil. Chegando a Portugal a constituição já havia sido elaborada e o rei foi obrigado a jurá-la em 1º de outubro de 1822, perdendo diversas prerrogativas absolutistas e se tornando um rei constituinte e liberal. Nesta data, do outro lado do oceano o rei já havia perdido também o Brasil como posse. Seu filho, optando por ficar no país, liderou uma revolta proclamando a Independência do Brasil em 07 de setembro, assumindo o título de Imperador do Brasil. Então Pedro I é aclamado rei e seu título honorífico é outorgado como Imperador, não vindo esse a assumir o trono de rei do Reino Unido do Brasil, Portugal e Algarves, findando-se assim o processo de elevação e status do Brasil como um Reino Unido, porém o período que vai de 16 de dezembro de 1815 até o dia 07 de setembro de 1822 fica marcado como um dos mais prósperos e vanguardistas já vividos por nossa nação, que naquele momento esteve em voga dentre as maiores nações do mundo moderno. 

foto retirada da internet


Bibliografia: Processo histórico del Uruguay - Alberto Zum Felde, Montevidéu, 1960. Formação histórica do Brasil - J. Pandiá Calógeras, São Paulo, 1957. A política externa e a anexação de Caiena - Fábio Ferreira, São Paulo, s\d. Bancos no Brasil Colonial - Pinto de Aguiar, Salvador, 1960. Dom João VI no Brazil – Oliveira Lima, Rio de Janeiro, 1908.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Da emissão paraguaia da década de 1870 – luzes sobre o pós-guerra

Nos estudos dos “jogos de guerra”, um dos preceitos é que os conflitos armados são apenas 20% de uma guerra, os outros 80% são tratados de ameaças e diplomacias, antes e depois do conflito armado. Na guerra do Paraguai, também chamada de guerra da Tríplice-aliança, essa máxima não poderia ser diferente. Podemos dizer que o conflito armado iniciado em novembro de 1864 e encerrado em março de 1870, foi apenas parte de um grande enredo chamado “questão do prata”, enredo esse iniciado em 1811 pela anexação definitiva da banda oriental (Cisplatina) por parte da coroa portuguesa e seu rei João VI reinando diretamente aqui do Brasil. Outras questões como as fronteiras reais entre a Argentina e o Paraguai, foram o estopim para a escalada de rivalidade que culminou na guerra efetiva. Os argentinos conseguiram anexar as regiões paraguaias de Formosa e das Missões Jesuíticas, chamadas de chaco central. Este conflito foi a maior guerra já travada no continente Americano, e envolveu: 150 mil soldados paraguaios, 200 mil soldados brasileiros, 30 mil soldados argentinos e 6 mil soldados uruguaios. A estimativa é que morreram no conflito entre militares e civis de todas as nacionalidades 385 mil pessoas e que o conflito acabou por arrasar social e economicamente o Paraguai.

foto original

foto original

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Porém este artigo não é sobre a guerra e sim sobre uma emissão em cobre, fruto do findar da guerra. Vamos aos fatos: No dia 1º de janeiro de 1869 sob o comando do exército imperial brasileiro, a força tarefa da tríplice-aliança entra em Assunção – a capital cai nas mãos dos aliados. No dia 22 de junho deste mesmo ano o governo imperial brasileiro, institui uma junta de governo fantoche para governar em Assunção, encabeçada por Cirilo Antônio Rivarola, um dos políticos contrários ao governo de Solano Lopez, que no norte do Paraguai foi morto no dia 1º de março de 1870, encerrando assim o conflito armado. A partir de 20 de junho de 1870, o Brasil em separado inicia tratativas de paz com a junta de governo paraguaio, essa tratativa de paz foi assinada em definitivo em 09 de janeiro de 1872. Já os argentinos que pretendiam anexar partes do território paraguaio, só concluíram os tratados de paz em 1876, perdendo assim o Paraguai - 30% de seu território para esse país. A população paraguaia do interior que sobreviveu a guerra emigrou para as imediações de Assunção gerando assim um inchaço populacional nesta cidade. Em 1872 o governo paraguaio é forçado a contrair um empréstimo de 1 milhão de libras, junto a Inglaterra e vê seu mercado interno ser tomado por produtos importados desse país. É nesse cenário que se faz necessária a emissão do cobre amoedado.

Da escolha do projeto para a cunhagem: A junta de governo paraguaio levantada em junho de 1869 era na verdade um triunvirato – formado por Rivarola, Loizaga e Bedoya, porém quem mandava mesmo era Rivarola, que era alinhado ao Brasil. Foi ideia do governo imperial brasileiro a cunhagem de moedas de cobre, face as dificuldades de comércio em Assunção, naquela emergência de guerra e inspirada na emissão de moedas do mesmo estilo por parte do governo uruguaio. Foram encomendados dois projetos para essa emissão. Um deles junto a firma Carlos Ressing y Conlazo (alinhada com os uruguaios) outra com a firma Vicente H. Montero (alinhada com os brasileiros e interesses ingleses). Rapidamente o congresso reunido em 1869 elege o projeto de Montero como o ideal para a cunhagem, porém o 3º trimestre de 69 e o ano de 70 foram recheados de distúrbios internos, problemas sociais e políticos que impediram essa cunhagem neste ano. O projeto foi posto de lado. Já em junho de 1971, por interesses do presidente Rivarola, suspendeu-se o projeto de Montero e deu-se o status de aprovado ao projeto de Ressing. Em 04 de junho o projeto de Ressing volta a ser analisado pelo senado e é embargado por motivos de lobby. Em 14 de agosto é publicado um laudo que atesta a qualidade do cobre das amostras do projeto de Montero para a cunhagem. Finalmente em 24 de agosto aprova-se a lei que autoriza a cunhagem e a circulação de peças de cobre de 1, 2 e 4 centésimos de peso forte, frutos da cunhagem e emissão de 100.000 pesos fortes em cobre. Essa mesma lei autorizou também o pagamento de 20.000 pesos fortes a firma Montero, pelo produto da venda da propriedade fiscal do projeto. Montero muito esperto decide receber em moedas de cobre, aumentando a emissão hipotética para 120.000 pesos fortes. Interessante também destacar que no texto da lei de autorização desta cunhagem consta que as resoluções do congresso para autorizar essa emissão são “provisórias”, e estão sujeitas á chancela e sanção de um poder “maior” que seria ditado posteriormente á assinatura. Essa sanção nunca se deu, e possivelmente esse “detalhe” tenha-se dado pelo medo dos congressistas de ter desagradado algum interesse brasileiro e inglês. A emissão então autorizada se dá entre setembro e dezembro de 1871 e seu carregamento chega em Assunção em janeiro de 1872 vinda de Birmingham – Inglaterra. A emissão teve curso legal até a data de 11 de setembro de 1877, quando uma lei executiva ordenou reter nas tesourarias nacionais do território paraguaio todas as moedas dessa emissão, assim como as que foram integradas pelos direitos fiscais de 2%, pertencentes a firma Monteiro. Essa nova lei de 1877 nos revela que Monteiro ganhou 2% de direitos sobre a emissão que foi de 120.000 pesos fortes, então na verdade haviam sido cunhadas 122.400 pesos fortes em centésimos de cobre. Esses 2.400 pesos fortes talvez não tenham sido cunhadas em Birmingham e sejam as peças de 4 centésimos variantes que vemos hoje em dia.

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Das características da emissão de 1871 com data retroativa a 1870:
A emissão com data retroativa busca ressaltar a importância da data da vitória do Brasil frente a seus inimigos, essa alegoria é válida pois era de interesse do estado brasileiro ressaltar o poder da monarquia reinante, e isso se deu pela imortalização da data 1870. Anverso: vemos a legenda – República del Paraguay - no campo central uma estrela cintilante e radiante (que é o símbolo do Paraguai desde sua independência) a estrela é ladeada por dois ramos de Palma e Oliva (que no projeto inglês foi trocada por um ramo de carvalho), esses ramos são unidos pelo laço pátrio da união, abaixo desse laço vê-se uma pequena estrela. Tudo isso é rodeado por um cordão de pontos chamado de grafila. Reverso: no topo vê-se uma coroa de olivas formado pela união de dois ramos, no exergo vemos a data 1870, no centro em um círculo forrado de linhas, vemos o numeral do valor, sob o numeral uma cinta com o dizer – Centésimos – no canto direito inferior vemos a marca do gravador da emissão – Shaw.

Da emissão paralela de 1871, realizada em Assunção:
Em um estudo realizado em 1934 pelo numismata Argentino B. Rossani, foram reunidas e rastreadas 580 peças de 4 centésimos de peso diferentes e distintas da emissão inglesa. As peças reunidas por Rossani apresentavam elementos como a ausência de autor da cunhagem (sem assinatura), outras com a assinatura Sáez e outras com a assinatura L. Sáez. Muito provavelmente essa emissão paralela a emissão inglesa, se deu pela autorização de cunhagem de 2% da emissão original para lucros da firma Montero, ganhadora da concorrência pelo projeto de emissão, então como os custos de mandar cunhar tão poucas peças na Europa era muito elevado, contratou-se o serviço em Assunção mesmo, porém até o momento não sabemos muito da identidade desse gravador. L Sáez. O jornal “Nacion Paraguaya” datado de 08 de outubro de 1872, informa que parte do comércio de Assunção está desabastecida de cobre para troco, e que outra parte recusa-se a aceitar como pagamento peças de cobre. Essa desavença relatada pelo jornal da época, muito provavelmente mostra que os interesses uruguais e brasileiros\ingleses geraram rivalidade no comércio, como os uruguaios perderam a corrida pela emissão do cobre, provavelmente recusavam-se a aceita-lo nas transações. A emissão de Sáez também pode ter a ver com esse contexto de falta de numerário ou recusa de circulação de numerário. Vale destacar que as peças uruguaias emitidas em 1869 em cobre circulavam livremente no comércio de Assunção, provavelmente essas moedas tenham sido tomadas como modelo para a emissão paraguaia, pois tem o mesmo peso, medida e valor de circulação.

Sobre a cunhagem de Birmingham: A cunhagem das peças de cobre se deu na empresa Heaton E Sons – Birmingham Mint, a maior e mais influente casa da moeda privada do mundo no século XIX. Essa empresa iniciou suas atividades de forma tímida em 1850 quando da aquisição de uma massa falida, em um leilão do espólio de Matthew Boulton por parte de Ralph Heaton II. Foram compradas apenas 04 prensas de rosca movidas á vapor para estampar moedas mecanicamente, além de 06 pranchas para laminar metal e cortar os discos. Com 300 funcionários essa empresa era á sua época uma das mais evoluídas no corte de metal e também produzia: peças metálicas para fuzis, peças para munição, peças para bombas de artilharia e canhão, lâminas para espadas, baionetas, facas e espadas, pavios metálicos para detonação, ou seja estava nitidamente ligada a temática da guerra, e muito provavelmente foi fornecedora dos exércitos aliados durante o conflito no Paraguai. A fábrica Heaton era rica e representava o poderio indústria inglês da revolução industrial, então tinha agentes de lobby espalhados pelo mundo afora, dentre os contratos realizados por essa empresa, antes da emissão paraguaia destacamos: cunhagem para o Chile independente, para a Austrália e Índia britânicas, emissão das peças de bronze Napoleão III da França, emissão das peças Itália unificada de Vitor Emanuel, emissões em ouro para a África do Sul. Então resumidamente a fábrica visava lucros em todos os continentes, dentre eles a América. Sabemos que Charles J. Shaw, o gravador das peças de 1, 2, e 4 centésimos era um agente desta fábrica e que tratou diretamente com o governo paraguaio a liberação desta emissão, inclusive recebendo gorda comissão por esse feito. A inspiração para Shaw foi o desenho do cunho uruguaio de 1869 assinado pelo francês Ernest Tasset. Aparentemente Shaw alterou algumas características do projeto original paraguaio para se distanciar um pouco do cunho de Tasset, evitando assim problemas com plágio. Também é nítido que Shaw aproveitou-se da cunhagem paraguaia para divulgar o seu trabalho como design de moedas e medalhas.

Fontes: A história numismática de Birmingham mint. James O. Sweeny (1981) Birmingham, Inglaterra. Ralph Heaton & Sons de 1840 a 1888. (1997), Arquivo nacional da Grã-Bretanha, Londres, Inglaterra. Quatro centésimos do Paraguai. (1966), Jorge N. Ferrari, Buenos Aires, Argentina. Registro oficial da república do Paraguai, anos 1871 a 1877, Editora Ficher y Quell, Assunção, Paraguai. Numismática paraguaia. (1934), Argentino B. Rossani, São Paulo – SP. Periódico La Nacion Paraguaya, 1872, Biblioteca nacional de Assunção, Paraguai. Museum Victoria (museumvictoria.com.au/collections) Austrália